Não é um surto de oposição, é medo da
Lava Jato mesmo. O líder do PMDB bate no governo em busca da reeleição – e para
fugir do juiz Sergio Moro
TALITA FERNANDES /
ÉPOCA
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Renan Calheiros (Foto: Adriano Machado/ÉPOCA) |
Mergulhado
em conversas que se estenderam por mais de duas horas em seu gabinete, o líder
do PMDB no Senado, Renan Calheiros,
viu seu telefone ser inundado por mensagens. Uma assessora avisou que havia
dezenas delas, perguntando se ele participaria de um jantar oferecido pelo
presidente Michel Temer no Palácio do Jaburu naquela noite de
quarta-feira, dia 5. Jantar? Que jantar? “Não, eu não estou sabendo”, disse
Renan, sem mais delongas. Eram 20h30. Mais cedo, o senador Romero Jucá,
também do PMDB e companheiro político inseparável de Renan há anos, havia feito
microrreuniões com a bancada do partido para convidar parlamentares para o
encontro com o presidente. Renan ficara de fora das conversas. Renan Calheiros
nem sabia de um jantar do PMDB com o presidente? Algo muito estranho acontece
em Brasília.
Renan
agora é visto à vontade pelos corredores do Senado. Será uma miragem? Na
condição de presidente da Casa, cargo no qual passou oito anos, em quatro
mandatos diferentes, isso era impensável. Sempre passava rapidamente, cercado
de seguranças. Foi assim nos últimos quatro anos, quando exerceu dois desses
mandatos. Respondia a questionamentos de jornalistas quando achava conveniente,
sempre de forma rápida e, em geral, no caminho entre sua sala e o plenário ou
em direção ao elevador. Nas últimas semanas, contudo, Renan atravessa os
corredores sozinho, com calma. Tem se deixado ficar no cafezinho, onde passa
horas conversando com outros senadores e até com jornalistas. Na tarde da
última quarta-feira, sentou-se a uma mesa com sua colega de partido, a senadora
Kátia Abreu, do Tocantins, de quem se aproximou. Juntou-se a eles depois o
tucano José Serra. Na conversa, Renan afirmou que já tinha rompido com “o
governo de Eduardo Cunha”.
A frase, com algum ar de suspense, é usada quando o questionam se ele rompeu
com o governo Temer.
Desde que deixou a presidência do Senado, há dois meses,
Renan Calheiros é outro. O processo migratório da cadeira no centro da mesa do
Senado para o plenário deixa marcas em qualquer um. Havia pelo menos quatro
anos Renan não precisava elevar o pescoço para olhar a mesa do Senado. Renan se
adapta à vida de senador comum a sua maneira. Nas últimas semanas, passou a
fazer barulho para ser tirado do silêncio ao qual foi naturalmente relegado
pela perda do cargo. Hábil para fazer frases, político sagaz e bom
estrategista, Renan passou a fazer críticas ruidosas que calaram fundo em
Michel Temer. Começou com um discurso que se estendeu por mais de uma hora no
plenário, durante o qual atacou as medidas econômicas do governo e as ações da
Procuradoria-Geral da República que pesam contra ele, um investigado pela Operação Lava Jato. Além disso, reativou sua conta de Twitter após dois anos de
silêncio. Criou um perfil no Instagram, no qual faz vídeos curtos, de 15
segundos cada um, para transmitir suas mensagens. Além de publicados nas redes,
eles são enviados por listas de transmissão pelo WhatsApp para prefeitos e
políticos de Alagoas.
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O ALVO O presidente Michel Temer. Ele diz entender as idas e vindas de Renan Calheiros em relação a seu governo (Foto: FABIO TEIXEIRA / Anadolu Agency) |
Renan
não deixa a voz alterar para falar dos conflitos com o governo, mas cutuca os
ministros de Temer sobre reformas como a da Previdência. “Eles não disputaram
as eleições, não têm mandato”, diz. Ao mesmo tempo, chama dois dos principais
aliados de Temer, os ministros Eliseu Padilha, da Casa Civil, e Moreira Franco,
da Secretaria de Governo, de “amigos”. Na noite da quarta-feira passada, Renan
deixou o plenário do Senado depois de afirmar que “Temer não tinha para onde ir
nessa política recessiva”. Foi alvo de brincadeiras de senadores petistas.
“Renan, vou dar minha vaga de líder da oposição para você”, disse Lindbergh Farias.
Em seguida, foi para o gabinete da liderança do PMDB, onde conversou
reservadamente com o colega Eunício Oliveira,
presidente do Senado.
Renan ficou de fora do jantar da quarta-feira passada como
reflexo dessas posições sobre o governo a quem, oficialmente, é alinhado.
Existe uma movimentação para evitar que suas críticas contaminem a bancada do
partido no Senado. Apesar do habitual jogo de cena, o descontentamento exposto
por Renan não é exatamente artificial. O Planalto sabe o que Renan quer e por
que está agindo assim. Quem manda em sua estratégia é o instinto de
sobrevivência, aguçadíssimo em Renan, um homem que já escapou de boas. Renan é
um dos maiores alvos da Operação Lava Jato. É protagonista em 11 inquéritos no
Supremo Tribunal Federal, uma ação penal, uma denúncia e menções a seu nome
estão na megadelação de 78 executivos da Odebrecht. Sabe que precisará manter o
mandato em 2018, para evitar voltar à vida de cidadão comum e cair nas garras
do juiz Sergio Moro,
como aconteceu com seu desafeto, o ex-deputado Eduardo Cunha, hoje preso em
Curitiba e condenado a 15 anos no xadrez. Renan sabe que será difícil
reeleger-se senador; talvez tenha de, humilhação, concorrer a um simples
mandato de deputado. Precisa também ajudar a reeleger o filho governador de
Alagoas. Também citado na Lava Jato, Renan Filho não pode ficar à mercê de
Moro.
Na
semana passada, Renan não foi convidado para um jantar do PMDB com o presidente
Michel Temer
Conhecido por uma grande habilidade de articulação e por
conseguir ler antecipadamente cenários, Renan se movimenta. “Eu compreendo o
Renan, as dificuldades dele, de alguma maneira, ele sempre agiu dessa maneira,
ele vai e volta”, disse Temer numa entrevista. Há uma brincadeira entre os
parlamentares de que “se o Renan se jogar do 10o andar, pode pular atrás que
embaixo tem água”. Renan bate no governo de maneira que suas críticas coincidam
com a opinião pública corrente, contrária a temas difíceis, como a reforma da
Previdência. Quando diz sobre o governo que “quem não ouve erra sozinho” e que a
reforma da Previdência “pune o Nordeste”, não só critica o governo, como dá a
entender a eleitores que não participa dessas decisões – exime-se de
responsabilidade. O governo entende outra parte: Renan quer cargos.
Um dos fatos que incomodaram Renan foi a nomeação de Osmar
Serraglio, do PMDB do Paraná, para o Ministério da Justiça. A aliados, ele
afirma que voltou do Carnaval e Temer engoliu o prato feito enviado de Cunha,
da cadeia em Curitiba para o Palácio do Planalto. Nesse mesmo período, Temer
decidiu trocar o senador Romero Jucá, do PMDB de Roraima, por André Moura, do
PSC de Sergipe, no cargo de líder do governo no Congresso. De acordo com Renan,
tanto Serraglio quanto Moura são indicações de Cunha. Em troca, Renan aceitaria
de bom grado a Secretaria de Portos, a ser recriada.
Ao ser confrontado, Renan nega incoerência e rompimento
com o governo. Não perde o tom sereno. “O PMDB não é governo”, diz. Para evitar
críticas diretas a Temer, com quem diz manter conversas amistosas, culpa a
condução da política econômica do país. “É preciso voltar o (Henrique) Meirelles do governo Lula. Esse
aí não é o mesmo”, diz. A amigos, Renan confidenciou recentemente que faria um
certo afastamento do governo ao ter analisado dados que mostram que a
recuperação econômica não vai tão bem assim. É a hora propícia para, da
planície, Renan crescer batendo em quem está no planalto.
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